Revelação sobre o monte Selene – Ascensão

Essa é a quinta e última parte de um conto, antes de lê-la é melhor ir para a primeira parte ( https://pedroaugustof.wordpress.com/2016/04/29/revelacao-sobre-o-monte-selene-o-chamado/ ), mas se você já está acompanhando os acontecimento, espero que goste do desfecho.

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No início da subida nem tantos percalços quanto se anunciava o restante do íngreme caminho até o topo. Josué subia empolgado, sonhando com o que aquilo tudo poderia lhe trazer de ganhos, poucos ouvem deus falar diretamente com eles, e os que tiveram essa oportunidade tiveram seus nomes gravados nas tábulas da história, mais que isso viveram séculos inteiros com o vigor e juventude de jovem.

O jumento apresentava sinais de fraqueza, já tão magro quanto Josué e forçado a seguir nessa empreitada que por si não moveria nem uma pata, e agora obrigado a subir uma montanha. O peso que carregava era demasiado, mais pelo cansaço constante do que pela real massa das poucas coisas, a visão ficara turva em alguns momentos e o mundo parecia girar ao redor de sua cabeça, quando suas patas dianteiras não tiveram mais forças para sustentar nem o peso do próprio corpo, o tombo pra frente foi inevitável, o homem que ia a frente percebeu e voltava para ajudar, mas já era tarde, o animal sabia.

Josué ouviu o barulho de pedras rolando, seguido de um baque forte, o jumento foi ao chão enfraquecido, toda aquela caminhada exigiu muito de ambos, correu para ajudar o animal, mas só alcançou a tempo de ver o último segundo da criatura. Lágrimas escorreram, junto com o surgimento destas, as dúvidas proliferaram. Essa jornada já não fazia sentido, é suicídio, quanto perdera para chegar até ali? Sua barba já alcançava a barriga, todas as dificuldades não eram nada diante da escalada, sem comida e com pouca água.

– Josué, homem de pouca fé, não percebeste que estive contigo todo o caminho? Eu te trouxe aqui e em meu nome vieste, guiei teus passos e te sustentei quando estavas fraco! Segue teu caminho, pois te aguardo.

O pensamento antes nublado tornou-se claro, Josué tomou a faca que levava na sela do jumento a fim de aproveitar o que sobrou do seu falecido companheiro de viagem, da pele fez vestes para suportar a temperatura que baixava, conforme a altura aumentava, e pôs para secar a pouca carne do animal.

O restante da subida foi ainda mais dificultoso que imaginara, pedras soltas, subidas íngremes, a carne racionada como único alimento. Já era possível ver o pico ao longe, pouco a pouco se aproximando.

O pico se tornou tangível na última reserva de forças de Josué, o toque na última pedra revelou um horizonte muito adiante de tudo que jamais a vida pacata de Josué poderia mostrar.

Ao olhar pra cima Josué viu um rosto envelhecido, com barba hirsuta e branca, Deus, com o decoro, respeito e lágrimas nos olhos, estendeu a mão ao toque da figura divina, o braço se estendeu rumo ao alto, as nuvens ao redor propiciavam aquele momento, o sol de um lado, a lua do outro, o olhar de subserviência à figura mítica ali presente, acima do homem, como não podia deixar de ser.

Mais ainda, o Criador também tocaria a criatura, a mão divina também se estendia rumo ao homem, o olhar sábio, parecia tão surpreso por poder ali alcançar a criatura. Assim como Josué, Deus estendia sua mão para o alto de si mesmo, a montanha, a imagem da superação da criação, o deserto ao redor se abrindo, coroando àquele momento.

Ao toque de ambas mãos, na precisa metade do caminho entre os dois, Josué sentiu o frio, as lágrimas de emoção se tornaram de desespero, percebeu que Deus também chorava as mesmas lágrimas em outro plano, porém não tinha nada de divino. O toque revelou que os movimentos da figura acima de si eram iguais aos seus; e toda a sabedoria contida naquele olhar era tão mundana quanto a sua. Só então Josué percebeu que a imagem de deus é uma efígie especular.

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O que achou? Se tiver gostado, avisa tua galera; se não tiver gostado, fala pra mim o que tu não gostou, vou adorar saber as suas impressões.

10 comentários sobre “Revelação sobre o monte Selene – Ascensão

    1. Obrigado pela sugestão Adriano, até já corrigi! Acabei optando por colocar o link das partes posteriores a cada capítulo postado, assim na primeira parte tem todos os links e na última tem apenas da primeira.
      Você gostou do conto? Você que tinha perguntado pelas continuações na primeira postagem né? Muito obrigado por ter acompanhado todo o desenvolvimento da história!
      =D

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      1. Valeu, Pedro. Gostei sim. Tenho particular interesse pela intercessão entre Literatura e Religiosidade. Gostei da jornada de Josué. Ela é, de alguma forma, metáfora de nossa própria jornada. Passamos pelos chamados, pela desconfiança, pela vontade de superar os obstáculos. Abç.

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      2. Outra, coisa: inspirei-me em sua ideia para publicar em partes um conto antigo, que escrevi em 2004. Muito original a ideia. Quando os romances surgiram no séc. XIX, eles eram publicados em folhetins, periódicos. Da mesma maneira que você fez com seu conto.

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        1. Sim, de fato, essa foi minha inspiração pra publicar dessa forma; e, também, porque percebi que meus textos com mais visitas eram os mais curtos.
          Eu acabei de ver no teu blog as publicações, já li as três parte publicadas e estou ansioso pela continuação!

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